LIGAÇÕES PERIGOSAS - CHODERLOS DE LACLOS


Ligações Perigosas O romance que inspirou a minissérie da Globo
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Esta obra, ou antes, esta coleção, que o público achará talvez ainda volumosa em demasia, não contém, todavia mais do que um pequeno número das cartas* que compunham a totalidade da correspondência de onde foi extraída. Encarregado de pô-la em ordem pelas pessoas a cujas mãos chegou, e que eu sabia terem a intenção de publicá-la, pedi apenas, como prêmio dos meus cuidados, a permissão de suprimir tudo o que me parecesse inútil; e de fato conservei apenas as cartas que me pareceram necessárias, quer para a compreensão dos acontecimentos, quer para o desenvolvimento dos caracteres. Se acrescentarmos a este ligeiro trabalho o de repor por ordem as cartas que deixei ficar, ordem para a qual eu próprio quase sempre segui a das datas, e, enfim, algumas notas curtas e raras, e que, na sua maior parte não têm outro objetivo senão o de indicar a origem de algumas citações ou de motivar alguns cortes que me permiti fazer, ter-se-á inteiramente ideia da parte que tive nesta obra. A minha missão não ia mais longe.
Eu tinha proposto alterações mais consideráveis, quase todas relativas à pureza de dicção ou de estilo, contra a qual se encontrarão muitas faltas. Desejei também ser autorizado a cortar diversas cartas demasiado longas, e das quais algumas tratam separadamente, e quase sem transição, assuntos absolutamente estranhos uns aos outros. Este trabalho, que não foi aceito, não seria bastante sem dúvida para dar mérito à obra, mas ter-lhe-ia pelo menos tirado parte dos defeitos. Foi-me objetado que eram as próprias cartas que se pretendia. ...dar a conhecer, e não apenas uma obra feita segundo as cartas; que seria tanto contra a verossimilhança como contra a verdade que, de oito á dez pessoas que colaboraram nesta correspondência, todas escrevessem com igual pureza. E à minha réplica de que, longe disso, não havia, pelo contrário, nenhuma que não tivesse cometido erros graves, foi-me respondido que todo o leitor razoável esperaria seguramente encontrar erros numa coleção de cartas de alguns particulares, visto que em todas as que se têm publicado de diferentes autores estimados, e mesmo de alguns acadêmicos, não se encontrava nenhuma totalmente ao abrigo desta censura. Estas razões não me persuadiram e achei-as, como as acho ainda, mais fáceis de dar que de receber; mas não me competia mandar, e submeti-me. Somente me reservei o direito de protestar e de declarar que não era essa a minha opinião; o que faço neste momento.
Quanto ao mérito que esta obra possa ter, talvez me não caiba explicá-lo, pois a minha opinião não deve nem pode ter influência sobre *Devo prevenir também que suprimi ou mudei todos os nomes das pessoas que intervêm nestas cartas; e que, se no número daqueles que lhes substituí, se encontrarem nomes que pertençam a alguém, terá sido unicamente por erro da minha parte, e do qual não se deverá tirar qualquer conclusão. (N. do A.) a de ninguém. Entretanto, todos os que, antes de começar uma leitura, ficam satisfeitos por saber aproximadamente com o que podem contar, esses, dizia eu que continuem, os outros farão melhor em passar imediatamente para a obra em si; sabem já o que lhes basta. O que posso dizer antes do mais é que se a minha intenção foi, como reconheço, der a conhecer estas cartas, estou, todavia muito longe de esperar daí um êxito: e que não se tome esta sinceridade da minha parte pela modéstia fingida de um autor; pois declaro com a mesma franqueza que, se esta coleção não me tivesse parecido digna de ser oferecida ao público, eu não me teria ocupado dela. Tratemos de conciliar esta aparente contradição. O mérito de uma obra compõe-se da sua utilidade ou do agrado que desperta, e mesmo duma coisa e doutra, quando disso é suscetível; mas o êxito, que não prova sempre o mérito, deve-se frequentemente mais à escolha do assunto que à sua execução, ao conjunto dos motivos que apresenta do que à maneira como eles são tratados. Ora contendo esta coleção, como o seu título anuncia, as cartas de toda uma sociedade, reina nela uma diversidade de interesse que enfraquece o do leitor. Além disso, sendo quase todos os sentimentos que aí se exprimem fingidos ou dissimulados, deixam de poder mesmo excitar um interesse que não seja o de curiosidade sempre muito abaixo do de sentimento, e que, sobretudo, conduz menos à indulgência e deixa tanto mais a perceber as faltas que se encontram nos pormenores, quanto estes se opõem constantemente ao desejo que unicamente se quer satisfazer. Estes defeitos são talvez resgatados, em parte, por uma qualidade que do mesmo modo tem origem na natureza da obra; é a variedade dos estilos; mérito que um autor atinge dificilmente, mas que se apresentava aqui por si próprio, e que ao menos exclui o aborrecimento da uniformidade. Algumas pessoas poderão ainda esperar encontrar para seu proveito um número assaz grande de observações, ou novas ou pouco conhecidas, e que se encontram dispersas nestas cartas. E nisso se resume, segundo creio, tudo que se pode esperar como motivos de agrado, usando, aliás, de um juízo extremamente favorável. A utilidade da obra, que porventura será ainda mais contestada, parece-me, todavia fácil de estabelecer. Julgo pelo menos que é prestar um serviço aos costumes divulgar os meios que empregam os que os têm maus para corromper os que os têm bons, e creio que estas cartas poderão concorrer eficazmente para esse fim. Encontrar-se-á também nelas a prova e o exemplo de duas verdades importantes que dir-se-ia serem desconhecidas, tão pouco elas são praticadas: a primeira, que toda a mulher que consente em receber no seu meio um homem sem moral acaba por se tornar a sua vítima; a outra, que é pelo menos imprudente toda a mãe que admita que outra pessoa além dela tenha a confiança de sua filha. Os jovens de um e de outro sexo poderiam também aprender aqui que a amizade que as pessoas de maus costumes parecem dedicar-lhes tão facilmente não é mais que uma perigosa cilada, tão fatal à sua felicidade como à sua virtude. Parece-me, no entanto, muito de temer aqui o abuso, que anda sempre tão perto da medida justa; e, longe de aconselhar esta leitura à mocidade, parece-me mais importante afastar dela todas as deste gênero. A época em que tal leitura pode deixar de ser perigosa e tornar-se útil parece-me ter sido bem escolhida, para o seu sexo, por uma boa mãe não apenas inteligente, mas de inteligência bem guiada. "Julgo", me dizia ela, depois de ter lido o manuscrito desta correspondência, "que prestarei um bom serviço a minha filha, dando-lhe este livro no dia do seu casamento." Se todas as mães de família pensarem isto da obra, felicitar-me-ei eternamente por tê-la publicado. Mas, partindo ainda desta suposição favorável, afigura-se-me sempre que esta coleção deve agradar a pouca gente. Os homens e as mulheres de costumes depravados terão interesse em denegrir uma obra que pode ser-lhes prejudicial; e como não lhes falta astúcia, talvez se lembrem de pôr do seu lado os rigoristas, alarmados pelo quadro de maus costumes que não houve receio de apresentar-lhes. Os que se julgam espíritos fortes não terão qualquer interesse por uma mulher devota, que por isso mesmo será para eles uma mulher sem importância, enquanto que os devotos ficarão descontentes por verem sucumbir a virtude, queixando-se do fraco poder com que é mostrada a religião.
Por sua vez, as pessoas de gosto delicado hão-de enfastiar-se com o estilo demasiado simples e defeituoso de algumas destas cartas, enquanto que o comum dos leitores, seduzido pela ideia de que tudo o que é impresso é o fruto de um trabalho, julgará ver em algumas outras a maneira dificilmente conseguida de um autor que se mostra por detrás da personagem que fala a seu mandado. Enfim, talvez venha a dizer-se, na generalidade, que cada coisa não vale senão no lugar onde está colocada; e que, se ordinariamente o estilo demasiado castigado dos autores tira de fato toda a graça às cartas de sociedade, as negligências destas se tornam verdadeiros erros e as tornam insuportáveis, uma vez entregues à publicação. Confesso com sinceridade que todas estas censuras podem ter fundamento; creio também que me seria impossível responder-lhes, e mesmo sem ir além da extensão de um prefácio. Mas deve compreender-se que, se me fosse necessário responder a tudo, seria isso sinal de que a obra não responderia a nada; e que, se eu assim o pensasse, teria suprimido ao mesmo tempo o prefácio e o livro.

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