Um texto para você que gosta de parecer o que nem sempre é

"Nós perseguimos carros e roupas, trabalhando em empregos que odiamos, para podermos comprar porcarias das quais não precisamos” (Clube da Luta)




O filme Clube da Luta é uma obra de arte sobre a cultura de consumo. É um filme sobre o desespero silencioso daqueles que sempre fizeram o caminho “certo” sem saber exatamente qual o sentido daquilo tudo. Em uma de minhas cenas preferidas, o personagem Jack começa a olhar para as coisas em seu apartamento e se dá conta de que sua realidade está cada vez mais parecida com um catálogo de varejo. Muita gente criticou as cenas de violência, que os personagens abraçaram como forma de escapar dos limites da sociedade. Adormecidos pelo consumo, é preciso de um cano de escape.

Isso me leva a um dos maiores sucessos literários dos últimos tempos: “O Capital no Século XXI”, de Thomas Piketty, que vem causando reações de tudo quanto é lado. De jornais e acadêmicos discutindo suas falhas até comentários no blog do Bill Gates. Hoje não vou falar do livro em si, já que, para falar a verdade, ainda não terminei de lê-lo (faz alguns meses que me enrolo para passar das primeiras 200 páginas). Hoje, quero falar de uma questão mais mundana: será que toda essa gente realmente leu um livro que na versão em inglês possui 685 páginas?
Uma estimativa do Wall Street Journal chegou à conclusão de que a maioria das pessoas não passou da página 26, enquanto o jornalista Jordan Weissmann, da Slate.com, chegou a enviar um e-mail ao autor questionando sobre um dos maiores mal entendidos sobre o livro, mal entendido que ficaria mais claro se as pessoas terminassem a leitura.
Eu sempre desconfiei de que a maioria dos marxistas nunca leu Marx (pessoalmente, li o Manifesto Comunista na faculdade e alguns trechos de “O capital” durante o mestrado, mas nunca tive vontade de completar). Não se preocupem, que meu problema não é só com esses autores. Na vida acadêmica, perdi a conta de quantas vezes encontrei citações erradas, copiadas ou confundidas por gente que achou importante “citar" alguém sem nunca ter se dado ao trabalho de ler o que esse alguém estava falando de verdade.
O que me leva de volta ao Clube da Luta. O filme aponta problemas na cultura do consumo, na ideia de que ter coisas pode ter algum sentido em si mesmo. Acontece que o sociólogo Pierre Bourdieu já falava, há muito tempo, da existência de outros tipos de capitais. A compra de produtos está mais relacionada àquele capital relacionado ao dinheiro. Claro, todos querem dinheiro e usar produtos novos é uma forma de provar ao mundo e a si mesmo que você teve sucesso nessa área. Mas existem outras opções.
Uma delas é o capital cultural. Aquele capital que tem por base o conhecimento. Por exemplo, se você vai a uma mostra de arte, pode olhar os artistas mais famosos do mundo sem ter muita ideia do que está acontecendo. A partir do momento em que começa a ter capital nessa área, pode “consumir" a arte de outra forma. E então você passa a falar da intenção do artista, do significado, das referências e assim por diante.
Assim como algumas pessoas compram carros importados com juros a perder de vista para tentarem parecer aquilo que não são, o mesmo ocorre em outras áreas. Com resumos na internet disponíveis a todos, ficou fácil projetar um conhecimento que não possui.
A consequência? Enquanto comprar um carro com um preço acima do que podemos pagar prejudica o bolso, assumir posições, participar de discussões e até montar uma carreira acadêmica com capital que não é seu pode ser um problema. Muitos políticos e partidários pegaram à pinça alguns trechos do livro de Piketty para reforçar suas propostas políticas. Da mesma forma, vários “acadêmicos” se utilizam de figuras imponentes para mostrar uma sofisticação que nunca tiveram (o que fica até chato quando alguém que realmente sabe do que está falando resolve desarmar o sujeito).
Eu acho que um pouco de “Clube da Luta” serviria a essas pessoas. Se comprar mesas e poltronas de que não precisa fizeram o personagem principal acabar dando um tiro na própria cabeça (e não me culpe por contar o final do filme, você já deveria ter assistido faz tempo!), a farsa intelectual no estilo “fulano disse isso” ainda vai cobrar seu preço.
Faça as coisas porque elas valem a pena, não para impressionar os outros por aí.

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